quinta-feira, novembro 04, 2010

O Estranho Caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde


Existem livros que se tornam marcos na literatura mundial, aplaudidos ou pelo público ou pela crítica ou até pelos dois. Alguns destes tornam-se conhecidos em todo o mundo outros nem por isso, o que não quer dizer necessariamente que uns sejam melhores que outros, existem obras-primas nos dois campos. No entanto por alguma razão em particular há livros que são do conhecimento público, mesmo antes de serem lidos. Tal é o caso de obras como “Guerra e Paz” ou “Crime e Castigo”. Todos sabem da sua existência e muitos até quem são os autores, mas será do conhecimento geral as suas histórias? Os seus personagens? Conhecerá a maioria das pessoas que não os leu que o primeiro decorre nas guerras napoleónicas e qual é o crime e o castigo de Raskolnikov no segundo? No geral, penso que não.

Aqui há então uma clara divisão entre livros conhecidos e histórias ou personagens conhecidas. Mesmo quem não leu “Romeu e Julieta” sabe quem são estes dois e o triste fado que os espera, o mesmo para os “Três Mosqueteiros”. É verdade que muitos pensam que Frankenstein é o “monstro” sendo na verdade o cientista, mas ainda assim conhecem a história do homem que criou vida a partir de vários cadáveres. “Drácula” é outro caso e até não fazendo qualquer ideia de como se desenrola a história de “Dorian Gray” muitos saberão que um quadro envelhece no seu lugar, mas em menor escala que os acima referidos. É neste patamar que acredito que se encontra também o clássico de Robert Louis Stevenson, “O Estranho Caso de Dr. Jekyll e do Sr. Hyde” editado em 1886. Stevenson que é também o autor do não menos conhecido, “A Ilha do Tesouro”.
Considero que isto acontece porque os livros atrás mencionados sofreram inúmeras adaptações (nem sempre fiéis ao original). Desde adaptações ao teatro, ao cinema ou mesmo desenhos animados. Só deste livro em particular há 123 filmes. Com uma exposição em tantos meios diferentes é normal que o conhecimento delas seja vasto, são histórias que se tornaram parte do nosso meio cultural.

Este é um dos casos em que é uma pena sabermos tanto antes de ler o livro. Ao já conhecermos a ligação entre Jekyll e Hyde perdemos o mistério que lhe é inerente, ou seja, a tentativa de descobrir o que une o doutor respeitado Henry Jekyll a uma figura horripilante que dá pelo nome de Edward Hyde. Nisto tive pena, gostava de ter experienciado ler o livro sem este conhecimento, tentar descobrir por mim o que se passava, mas não foi nem será a última vez que tal acontece. Felizmente a história é sólida e muito boa, não vive apenas de uma descoberta, está muito bem desenvolvida e a sua temática é interessante, pois mais do que um mistério é um estudo sobre a dualidade do ser humano, em como uma pessoa é boa e má ao mesmo tempo.

Ao contrário da maior parte das adaptações a história não é contada do ponto de vista de Jekyll ou Hyde, nem assim deveria ser. A personagem que seguimos ao longo da história é Gabriel John Utterson (esquecido em várias adaptações), um advogado e velho amigo do Dr. Jekyll.
Tudo começa quando Utterson tem conhecimento, a partir do seu amigo Enfield, da descrição de um estranho homem que dá pelo nome de Edward Hyde. Baixo como um anão e de feições horrendas apesar de nunca ninguém as conseguir descrever muito bem, Hyde é tido em conta como uma pessoa sem escrúpulos e que liberta uma aura de incrível malevolência. O que desperta particular atenção ao advogado é a ligação que este Hyde tem ao seu grande amigo Dr. Jekyll, pois é o herdeiro de toda a fortuna do doutor e como é que duas criaturas tão díspares são agora tão próximas é um mistério que Utterson se sente compelido a desvendar, não vá o seu pobre amigo estar a ser vítima de chantagem.

Como referi acima o tema desta obra é o da dualidade entre o bem e o mal que existe dentro de todos nós. Este é o tema da pesquisa do Dr. Jekyll que se restringiu apenas a esta dualidade mas tendo consciência de como o ser humano tem várias camadas. O interesse do doutor neste assunto prende-se com o facto de mesmo sendo uma pessoa na sua maioria integra e respeitada, tem um lado negro que não consegue suprimir. O autor nunca nos revela quais são estas necessidades que tanto envergonham o personagem, quem sabe se trate da recorrência a prostitutas ou de relações homossexuais, afinal estamos em pelo séc XIX numa Londres Victoriana onde tais actos eram condenados (e nalguns locais, infelizmente, ainda são). Ou até algo realmente cruel, a verdade é que nunca saberemos.
O problema em negar e tentar esconder as nossas tentações debaixo de um tapete mental nem sempre resultam da melhor forma. Por vezes escondidos no inconsciente esses sentimentos ganham forças e um dia assaltam-nos de surpresa. Stevenson desenvolve esta ideia de uma forma mais drástica e irreal que é extremamente aliciante e assustadora.

7 comentários:

Dora disse...

O mais próximo que estive do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde, foi no filme da Julia Roberts com o John Malkovich :-)

Loot disse...

Sim o Mary Reilly, foi das primeiras coisas que me deu a conhecer o personagem.

Dora disse...

Vi-o há tantos anos! O Malkovich está muito bem mas a Julia nem por isso. O sotaque está péssimo.

Loot disse...

Não me lembro do sotaque dela :P
Já vão muitos anos sim, acho quem nem o apanhei desde o início quando o vi.

Agora fiquei com vontade de procurar esse filme :)

Dora disse...

Fazia de Irlandesa.
Vi-o no Vila Franca Centro há tantos anos! lol

Loot disse...

Não era nesse cinema que havia IMAX?
Olha que em Lisboa acho que nunca houve :P

Dora disse...

Sim mas o cinema "normal" não passava aí. Aquilo acho que passava um concerto e mais não sei o quê.