sexta-feira, agosto 30, 2013

Ænima



Esta semana no programa "Álbum de Família" na Radar, o disco escolhido foi "Ænima", o segundo dos Tool, editado em 1996.


Por ser um dos álbuns da minha vida, não queria deixar passar isto despercebido. Foi o primeiro que comprei e conheci-o com as canções "Stinkfist" e "Eulogy" que me gravaram numa K7. Rapidamente fiquei contagiado e ainda hoje o considero como um dos melhores álbuns que já ouvi. A par com "Lateralus" são as obras-primas da banda.

A título de curiosidade Ænima é a junção entre a palavra Anima + Enema. Anima é latim para alma enquanto enema é, bem, é um clíster, portanto significa uma limpeza do intestino. Diz o guitarrista da banda Adam Jones que esta nova palavra pretende significar "Limpeza da Alma". Nada de estranho para quem já é familiarizado com a banda. Agora pensar que a última canção se chama "Third Eye" ganha todo um novo significado.

"Ænima" marca também um período de transição na banda quando o baixista Justin Chancellor se juntou aos mesmos em substituição de Paul D'Amour. Chancellor contínua ainda hoje nos "Tool" que segundo dizem vão editar novo álbum em 2014 (já é tempo).



quinta-feira, agosto 29, 2013

Anne Frank – Biografia Gráfica


Foi Winston Churchill quem disse que “aqueles que não aprendem com a História estão condenados a repeti-la”. Quando pensamos nos graves erros do passado, o Holocausto é um dos que nos surge rapidamente na memória. De todas as grandes atrocidades cometidas ao longo da História da Humanidade, as da segunda guerra mundial têm sido das mais lembradas e focadas nos mais diversos meios de comunicação.

De todos os registos e explorações do tema, houve um livro em particular que continua ainda hoje a constituir um dos relatos mais importantes e fundamentais desta trágica época: o“Diário de Anne Frank”, que tem a particularidade de nos dar a conhecer a impressão desta (sobre)vivência a partir do ponto de vista de uma adolescente judia.

A história de Anne Frank teve um impacto tão forte que tem vindo ao longo dos anos a ser adaptada a outros meios, tais como ao teatro, à televisão, ao cinema e, agora, à Banda-Desenhada. Pelas mãos de Sid Jacobson e Ernie Colónsurge-nos a primeira adaptação oficial em BD desta história, editada recentemente em Portugal pela “Devir”: “Anne Frank - Biografia Gráfica”.

É sempre de louvar uma tarefa destas, onde a partir da BD a história de Anne Frank volta a ser recordada, podendo chegar inclusive a mais pessoas. Nesse sentido, estamos perante uma adaptação que tem uma vantagem logo à partida – a importância da história em questão -, sendo esta mais uma forma de contribuir para a contínua imortalização deste relato. Não é à toa que a frase citada no início do texto se encontra exposta, actualmente, em Auschwitz.

Enquanto dupla, Sid Jacobson e Ernie Colón são dois nomes bem conhecidos da BD em geral e das biografias em particular, tendo trabalhado juntos na adaptação da vida de Che Guevara e dos acontecimentos do11 de Setembro. Desta vez escolheram debruçar-se sobre a vida da família Frank, mais especificamente de Anne, um projecto que contou com o apoio da “Casa de Anne Frank” em Amesterdão a qual disponibilizou todo o tipo de documentos que possuem sobre esta história. Isto, aliado a vários testemunhos de pessoas que conheceram Anne Frank, contribuiu para a construção de uma biografia rica em factos e bastante realista.


Apesar de o “Diário de Anne Frank” assumir um papel preponderante nesta história, uma vez que se trata de uma biografia, Sid Jacobson foi além do livro, avançando tanto nos acontecimentos que lhe são passado como nos que lhe são futuro, dando uma maior contextualidade a toda a história. Desta forma, Jacobson iniciou esta narrativa com o casamento dos pais de Anne e terminou-a a relatar os últimos dias do seu pai, o único sobrevivente do grupo de pessoas que viveu dois anos escondido naquela que é hoje conhecida por “Casa de Anne Frank”, em Amesterdão. Tudo isto alternando com a história do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, liderado por Adolph Hitler, mostrando-nos a sua subida ao poder e posterior declínio no final da segunda guerra.

Sobre as partes da história que se encontram no diário, o autor introduziu excertos escritos pela própria Anne Frank na história que, tendo em conta a abordagem escolhida por Jacobson ao material, resultaram num dos aspectos mais interessantes deste livro.
 
Em relação à adaptação em si, a voz do autor assumiu um tom académico e de listagem de acontecimentos, ao invés de deixar as personagens fluírem nas suas interacções, o que resultou num tom narrativo rígido e pouco dinâmico. Uma vez que os autores tiveram acesso a toda a informação disponível sobre Anne Frank, e não se tratando esta de uma adaptação literal do diário, seria interessante ver a utilização de todos estes factos na construção de uma novela gráfica. Apesar do tom mais adulto, “MAUS”, de Art Spiegelman, vem à memória como exemplo. “Anne Frank – Biografia Gráfica” surge-nos então como um livro muito educacional, mas pouco estimulante do ponto de vista da BD, cuja linguagem artística podia ter sido melhor explorada. 

Em termos gráficos, compreende-se a escolha de um traço mais leve por parte de Ernie Colón quando estamos perante um livro que parece mais direcionado para chegar até aos mais novos. Porém, de uma forma geral, estamos perante um desenho desiquilibrado que, apesar de ter bons momento,s é demasiado ínsipido e desinteressante na sua maioria. Uma das mais valias de Colón neste trabalho esteve na aproximação das personagens em relação aos seus retratos originais, algo que o autor trabalhou a partir de fotografias, mas que por outro lado também lhe parece ter dificultado a expressividade das suas faces em determinadas cenas.


No que toca à importância dada ao tom realístico, o mesmo se pode dizer sobre o trabalho do desenhador no que toca a alguns edifícios que surgem na história, nomeadamente a casa em Amesterdão onde Anne Frank viveu com a família escondida e que se encontra caracterizada ao milímetro como era na altura. Na página 80 temos, por exemplo, uma descrição gráfica desta casa que é um dos momentos mais bem conseguidos pelo autor, tanto no traço como na cor que, de resto, está também longe de impressionar, particularmente no padrão de vários vestidos onde se nota um facilitismo digital que não correu nada bem.
Sobre a narração gráfica, sendo funcional para relatar acontecimentos, é pouco cativante para o leitor. Por fim, a balonagem perde com alguns erros relativos ao posicionamento incorrecto de determinados balões em relação à ordem de leitura. Tudo isto deixa bastante a desejar quando estamos a falar de Ernie Colón, um artista que já provou várias vezes que é capaz de muito melhor.


É de salientar a belíssima edição em capa dura por parte da “Devir” e do segmento relativo a sugestões de leitura, organizadas pelos autores para quem quiser continuar a conhecer mais sobre a vida de Anne Frank.

Não se tratasse este livro da biografia de Anne Frank e o destaque que lhe foi dado seria certamente muito menor. Ainda assim o livro cumpre aquilo a que se propõe: contar a história trágica da família Frank e, com ela, dar-nos a conhecer um pouco do que decorreu durante a segunda guerra, em particular a partir de uma jovem que, infelizmente, não a sobreviveu, mas cujo testemunho é ainda hoje recordado e ensinado. Nesse sentido, é impossível não nos emocionarmos com o poder desta história, mas enquanto objecto artístico não convence.


Publicado originalmente no site da Rua de Baixo.

Donna Paulsen (Adler Holmes)


Quanto mais vejo "Suits" mais me parece que a Donna Paulsen (Sarah Rafferty) - uma das melhores personagens da série - é a filha ilegítima do Sherlock Holmes e da Irene Adler.

terça-feira, agosto 27, 2013

Pink Floyd e Doctor Who



Parece que os Pink Floyd eram fãs da série, uma vez que na canção "One of These Days" do álbum de 1971 "Meddle" se consegue ouvir algures (a partir do minuto 2:37) um eco do tema de "Doctor Who". Esta é uma referência que foi mais salientada em prestações ao vivo.

E com isto aproveito para me dizer que já me rendi aos encantos do Doctor e comecei a ver a série.

quinta-feira, agosto 01, 2013

Marshal Law - The Deluxe Edition



I'm A Hero Hunter. I Hunt Heroes.
Haven't Found Any Yet.

No prefácio Jonathan Ross cedo associa "Marshal Law" ao género Punk. Pego nessa ideia e sublinho-a. Os elementos estão todos lá, começando na agressividade e passando pelo niilismo e independência, "Marshal Law" surge como um grito de revolta, um que à primeira vista poderá parecer voltado apenas para a indústria de BD norte-americana, mas que na realidade vai bem mais fundo, como Pat Mills explica no posfácio. Mais que uma sátira ao universo dos super-heróis "Law" é também uma severa crítica aos falsos heróis do nosso mundo, aqueles que apregoam guiar-nos na escuridão, mas apenas para nos mergulhar mais fundo nela. Sim Marshal Law é definitivamente uma BD Punk e é espectacular!

Pat Mills, um dos fundadores da "2000AD" e apelidado por muitos como o "Padrinho dos Comics Britânicos" aliou-se mais uma vez ao mestre Kevin O'Neill para criar esta série cuja publicação teve início na "Epic Comics" em 1987. Esta extinta editora pertencia à "Marvel" e havia sido criada em 1982 tendo posteriormente encerrado em meados dos anos 90, apesar de ainda ter voltado a publicar no futuro. A partir de 91 as coisas complicaram-se começando pela mudança de casa para a "Apocalypse Ltd", uma editora criada por autores britânicos, entre os quais Mills e O'Neill", que pretendiam continuar publicações sem o envolvimento das grandes companhias. Contudo, em 92 a "Apocalypse Ltd" fecha portas e o arco de "Marshal Law" que nela havia sido iniciado ("Super Babylon" inserido na antologia "Toxic!") acabaria por ser concluído na Dark Horse. Ainda no mesmo ano a série de Mills e O'Neill acabaria por desenhar um círculo perfeito ao regressar aonde tudo começou, à "Epic Comics", para um crossover com Pinhead de Cliver Barker em 93, mas foi sol de pouca dura pois em 94 a personagem regressou para a sua última história a solo, "Secret Tribunal". A partir daqui a personagem ainda fez algumas aparições em crossovers (na "Dark Horse" e "Image"), mas no que toca a uma série de BD própria nunca mais voltou a acontecer. Agora passados 26 anos desde a sua primeira aparição uma edição Deluxe é publicada pela DC Comics (que adquiriu os direitos das histórias), encontrando-se nela quase todas as aventuras em BD desta personagem (salvo os mencionados crossovers) e que são as seguintes: "Fear and Loathing" (Marshal Law #1-6), "Marshal Law Takes Manhattan", "Kingdom of the Blind", "Hateful Dead", "Super Babylon" e "Secret Tribunal". Salientei em BD porque os autores chegaram a publicar romances ilustrados de "Marshal Law", contudo, o interesse em voltar à publicação no formato BD mantém-se ainda nos dias de hoje e oxalá que esta nova edição venha contribuir para ajudar a esse desejo.


A acção desenrola-se maioritariamente em San Futuro, uma versão futurista de San Francisco após grande parte da cidade ter sido devastada pelo sismo que ficaria a ser conhecido na História como "The Big One". Nesta versão distópica do mundo a ciência dedicou grande parte do seu trabalho à criação de super-seres, sendo hoje capaz de providenciar poderes ao Homem adulto comum e, também, "cultivar" in vitro seres humanos a fim de possuírem poderes desde a nascença. Os segundos são considerados o futuro dos super-heróis.

À semelhança do que Alan Moore estava a fazer em "Watchmen" (começou a ser publicado um ano antes) também Mills aqui se debruçou sobre a desconstrução do super-herói mas de uma forma completamente distinta. Moore pegou no tema debruçando-se sobre vigilantes, pessoas comuns que vestiam collants de noite para patrulhar as ruas e livrá-las do crime. Eram em todos os níveis seres-humanos e sujeitos aos mesmos perigos que tu e eu, todos menos um, uma excepção que dá pelo nome de Dr. Manhattan. Mas mesmo Manhattan nos surge mais como um deus entre os homens do que como um super-herói. Ora em "Marshal Law" Mills explora mais o conceito de ser "super" e re-imagina todo um mundo agora povoado por indivíduos assim, e surpresa das surpresas, é bastante diferente do imaginado pelo universo tradicional do género.

Podemos começar pelos veteranos de guerra. Um governo com capacidade de dotar os seus soldados de super-poderes jamais desperdiçaria este "talento", munindo assim as suas tropas a fim de combaterem nas guerras vindouras. Tal acontece e resulta. Porém, um dos maiores problemas desta prática consiste no regresso a casa destes heróis, um regresso que se prova impossível para a maioria deles que, transtornados e sentindo-se "anormais", enveredam por uma vida pautada pelo caos. É aqui que entra Marshal Law um polícia cujos métodos de ultra-violência são os mais funcionais na caça a estes "super-heróis". Claro que ao passar pelo tema da guerra Mills não podia perder a oportunidade de atirar algumas farpas ao assunto, particularmente em "Fear and Loathing" e "Marshal Law Takes Manhattan", onde salienta o papel grotesco assumido por determinadas instituições governamentais que não impõem limites para levar os seus objectivos avante.


Noutro campo temos os super-heróis que são a inspiração do povo como é o caso de Public Spirit (inspirado em Superman) e que trabalha a sua imagem como a de sendo um Messias, um salvador. Como ele há outros que surgem como sendo os protectores da justiça e da verdade, mas Marshal Law vê através disso e sabe a quantidade de tretas que estão por detrás do que apregoam. A natureza corrupta do ser humano não é surpreendente, por isso não surge como estranho imaginar que muitos destes heróis, estando num patamar acima em termos de poder, acabem por se cegar com o mesmo. Law sabe isso e tem em Public Spirit o seu inimigo número um, não descansando até o desmascarar como a fraude que é. Este arco, inserido em "Fear and Loathing", é um arco onde se nota especialmente a raiva do autor - directamente espelhada no protagonista - em relação à divinização dos super-heróis.

Mills também salienta bem a ironia que existe em alguém apelidar-se de herói quando os perigos são perto do inexistentes. Muitas destas personagens não sentem dor e os riscos a que estão expostos acabam por ser irrisórios. O povo neste mundo acaba assim por esquecer os verdadeiros heróis, aqueles que arriscam constantemente as suas vidas em prol dos outros. Claro que isto funciona melhor neste universo criado por Mills e O'Neill, pois todos sabemos que no género clássico do super-herói estes colocam constantemente a vida em perigo e até os seres mais poderosos como o Superman já perderam a vida em defesa do planeta. De qualquer das formas percebe-se cristalinamente a mensagem que o autor quer passar em relação a este tópico.

Também as diferenças a nível sexual são mencionadas, algo que sempre "escapou" a este género. Aqui é bem focado que - por exemplo - personagens que voam não podem ter sexo com seres humanos normais, as suas fisiologias são incompatíveis podendo resultar na morte dos segundos.

They Say I Don't Pray For My Enemy
I Do
I Pray They Go To Hell

Por esta altura já é mais que tempo de nos focarmos neste agente da lei que se tornou o maior pesadelo dos super-heróis e tentar perceber em que consiste este antagonista? Afinal de contas quem é Marshal Law? À primeira vista poderá ser estranho que Law nos surja também com uma veste de guerra que omite a sua identidade, é irónico que o maior inimigo dos heróis se vista como eles, ainda que o seu gosto recaia mais numa aparência de polícia fascista com tendências sadomasoquistas. Nesta fatiota, onde o cabedal predomina com uma série de mensagens escritas (nomeadamente nas solas das botas para os "heróis" lerem quando estiverem a levar com elas nas trombas), há uma particularidade que chama muito a nossa atenção, o arame farpado que ele usa à volta de um dos braços. Podemos dizer que se trata apenas de uma questão estética, mas é mais que isso, o arame farpado está lá para o magoar constantemente, para nunca o fazer esquecer de onde vem o seu ódio pelos super-heróis, para o lembrar que ele já foi um deles. A fim de justificar esta sede de vingança era preciso termos um passado deste calibre, ou algum herói havia morto a família de Law ou então ele já tinha sido um dos que caiu na ilusão, um dos que acreditou em tempos neste novo sonho americano e que se alistou prontamente para ser um dos heróis do seu país. Esta desilusão e vergonha nunca o abandonam resultando num excessivo uso de violência que rapidamente se tornou a sua imagem de marca. É verdade que para combater alguém com super-poderes a violência terá de ser equiparada, mas Law vai sempre mais longe do que é preciso.


Não deixa de ser engraçado que a editora de BD que é o alvo de maior sátira em "Marshal Law" acabe por ser precisamente a editora que comprou os direitos das histórias e a publicou orgulhosamente agora nesta edição Deluxe com 480 páginas, falo da "DC Comics". E se "Fear and Loathing" é um thriller com o Superman como alvo principal (tinha de ser o primeiro), "Kingdom of the Blind" é com o Batman e "Super Babylon" com a Justice Society of America (com a adição do Captain America e do Bucky). A sátira ao Batman em particular deve ser a mais sórdida e macabra história de "Marshal Law". Mills e O'Neill pegaram no conceito do vingador negro e levaram-no a outros níveis de obscuridade. Por estas razões caiu logo nas minhas preferências. Se Batman é muito diferente de Superman, essa mesma diferença teria de se fazer notar entre Private Eye (Batman) e Public Spirit, algo que se reflecte no facto de Eye ser o único herói que Law não abomina, havendo até alguma identificação entre eles, uma vez que à sua semelhança também Eye é um vigilante que - à primeira vista - elimina a escumalha de San Futuro. Claro que nem tudo o que luz é ouro e Law irá descobri-lo não só às suas custas. Além do trabalho gráfico excepcional de O'Neill, Mills também não lhe poupa elogios no que toca a ideias para as histórias, nesta em particular foi O'Neill o responsável pela hilariante relação entre Private Eye e o seu mordomo, bem como alguns dos seus fantásticos engenhos - o carro de Private Eye consegue atropelar alguém, cortando e cosendo-o posteriormente.

Porém, nem só a presença da "DC Comics" se faz sentir, a "Marvel" também não escapa, mesmo estando por detrás da edição original - nem de outra forma podia ser. "Marshal Law" não se tornou propriamente a ideia que Mills e O'Neill haviam vendido à editora, mas quer tenham gostado ou não, esta nunca se pronunciou contra. Além da já mencionada participação das versões do Captain America e do Bucky temos a hilariante "Marshal Law Takes Manhattan" onde um grupo de heróis (sátira aos Avengers, Fantastic Four e até ao Silver Surfer) se encontram numa instituição para doentes mentais. O final que foi talvez dos momentos de maior gargalhada foram também da autoria de Kevin O'Neill que usa as características familiares dos heróis para a cena de suicídio conjunto mais hilariante da história dos comics. Aliás, tal como todas as boas sátiras é preciso conhecer bem o sujeito a satirizar e tanto Mills como O'Neill demonstram ter o trabalho de casa bem feito. Todas as histórias têm uma série de pormenores deliciosos sobre as versões originais em que são inspiradas, lembro-me de momento da piada que Law faz à versão do Green Lantern da JSA (Alan Scott) sobre a ridícula fraqueza que este tinha à madeira. Mas esta é apenas uma de inúmeras.


Ainda não saindo da "Marvel", será que"Hateful Dead" deu nascimento à futura "Marvel Zombies"? Provavelmente não, mas ver os heróis mortos por Marshal Law a regressarem das sepulturas foi mais um grande momento desta série, principalmente pelo foco que dão no facto de não haver nada para além da morte, o que pressupõe que não existe qualquer tipo de castigo ou recompensa para a vida que se leva na Terra, o que alguns encaram como carta-branca para cometer as maiores atrocidades em mais uma interpretação dos conceitos do Niilismo que desiludiria Nietzsche.


A encerrar temos “Secret Tribunal” uma história mais voltada para o terror na ficção científica numa espécie de amálgama entre os dois primeiros “Alien’s” mas com Marshal Law no lugar de Ripley. Uma das particularidades desta história é que além da voz interior de Law também seguimos a de outra personagem, um aspirante a super-herói - daqueles criados desde a fase embrionária - o Growing Boy. Foi um acrescento interessante para nos dar a conhecer um pouco melhor em que consistem as ideias e sonhos de alguém pertencente a esse grupo, um grupo cujo destino foi forjado ainda antes de terem nascido.

No género dos super-heróis a abordagem ao crime sempre foi relativamente superficial, havendo algumas excepções que até me parecem estar a aumentar com o tempo, talvez porque o género tem estado a acompanhar mais a idade dos seus leitores, mas isso é tópico para uma outra conversa. Em "Marshall Law" há claras menções ao papel que o Governo teve na criação destes monstros que são agora os super-heróis que povoam San Futuro. Também eles foram inocentes corrompidos e com as suas vidas arruinadas. Nesse sentido Law poderia demonstrar uma maior compaixão por estas personagens, mas tal não ocorre. Mesmo tendo noção que não são os maiores culpados - mas antes aqueles que os criaram - Law não acredita na sua reabilitação e por isso mesmo só conhece uma maneira de resolver o assunto, acabando por cair também no mesmo erro cometido pelos super-heróis que tanto abomina, ou seja, também ele é por vezes um instrumento - sendo constantemente aldrabado pelo seu superior - e também ele ataca apenas o mal superficial, os sintomas, deixando a verdadeira doença, as entidades governamentais, de lado e impunes. Seria interessante ver uma história de Law que enveredasse mais a fundo por esse caminho, até porque é algo bem desenvolvido e espelhado na série, algo que Law conhece bem, mas cuja resolução é bastante mais complicada. Aqui é preciso salientar que mesmo não partilhando simpatia por nenhum, Law apenas desmembra os super-heróis que seguiram o caminho do crime e um bom exemplo disso é a curta relação que ele acaba por ter com Growing Boy em "Secret Tribunal", um jovem ingénuo cujas aspirações ainda são nobres e puras.



Comecei a ler Pat Mills com "Sha" e "Requiem Vampire Knight", sou fã da sua escrita, do seu humor sórdido e considero-o um dos grandes mestres da ultra-violência. Mills é perito em massacrar os conceitos e ideias que abomina, doa a quem doer. Aliado a Kevin O'Neill tornam-se numa dupla imbatível. O'Neill foi crucial a dar vida a este universo, toda a estética gore e Punk, com vários grafites a tornarem-se parte integrante dos cenários, dão uma vida sem paralelo a San Futuro, uma cidade onde há de tudo um pouco, incluindo casas de prostituição com super-heróis onde o sexo é a última coisa a ser vendida. Hoje em dia O'Neill dispensa qualquer tipo de apresentação tendo alcançado fama mundial graças ao sucesso da sua parceria com Alan Moore em "The League of Extraordinary Gentlemen".

Como não podia deixar de ser "Marshal Law" gerou bastante controvérsia no mercado dos comics norte-americanos, tendo até sido banido de uma loja no Texas por ter um super-vilão a chutar um miúdo de San Futuro até Santa Monica. Mas tendo em conta o facto de ter sido publicado sem ser vítima de censura foi uma grande vitória para os autores.

No final surge a questão se passados 26 anos "Marshal Law" continua tão actual como antes? Eu só tive o privilégio de o ler agora, mas parece-me seguro arriscar que envelheceu muito bem e que fará tanto ou mais sentido agora do que na sua altura (Law no cinema?). A deificação dos super-heróis continua e a situação actual do mundo - infelizmente - fala por si. Em relação à segunda parte é particularmente triste que histórias como esta, entre tantas outras - Quino e a sua Mafalda vêm à memória - nunca fiquem datadas, sinal que a humanidade ainda luta contra os mesmos problemas, porque as pessoas serão sempre pessoas.

Tropa de Elite 1 + 2


No primeiro José Padilha arranhou a superfície do Brasil ao expôr a vida nas favelas e a intervenção da polícia e, claro, desta tropa de elite que tem no Capitão Nascimento uma daquelas personagens que se tornam icónicas no cinema. Um filme muito bem executado e com um ritmo invejável. Vi-o perto da altura em que saiu que foi em 2007.

Passados três anos surge "Tropa de Elite 2" e apesar de ter gostado muito do primeiro acabei por só vê-lo recentemente. Que grande surpresa, "Tropa de Elite 2" é uma sequela que faz todo o sentido e que não se limita a colar no que foi feito no primeiro filme. Se no primeiro Padilha arranhou a superfície, neste o realizador escavou bem mais fundo, mergulhando no maior problema do Brasil, a corrupção. Agora seguimos desde o início o Capitão Nascimento após ser transferido para trabalhar no governo. Aqui é que ele irá realmente descobrir o quão podre é a situação política brasileira e o quão complicado é fazer a diferença. É tal e qual como apregoam na capa "O inimigo agora é outro".

Dois filmes que fazem todo o sentido existerem. Fossem todas as sequelas assim.