quinta-feira, janeiro 17, 2013

Les Misérables


"Les Misérables" de Tom Hooper, consiste na adaptação do musical - com o mesmo nome - com música de Claude-Michel Schönberg e letras de Alain Boublil e Jean-Marc Natel, e tradução para o inglês de Herbert Kretzmer. Musical por sua vez que é a adaptação do clássico da literatura de Victor Hugo. O facto de ainda hoje se fazerem adaptações desta história e de estarmos a falar dela é a mais viva prova da imortalidade que Victor Hugo conseguiu atingir. Com uma história destas e uma forte componente musical, Tom Hooper partia já com a facilidade de ter material de base de excelente qualidade.

Antes de mais é preciso realçar que desconhecia o musical. Sim conheço a "I've dreamed a Dream" e até a versão da Susan Boyle, mas nada mais, aliás o próprio género é dos que menos conheço no Cinema. Após a visualização do filme, fiquei rendido ao musical em si que tem sido a minha banda sonora diária, não só a do filme, mas a de dois espectáculos musicais, o de Londres com o elenco original e uma edição comemorativa de 25 anos. Talvez faça sentido sublinhar que o filme de Hooper é uma adaptação do musical, porque me parece, pelo que se escreveu, que algumas críticas não tiveram isso em consideração. Podemos sempre criticar Hooper pela escolha e por não se ter arriscado mais fora do musical - há uma canção original - mas é preciso salientar que essa escolha foi feita.

O que Hooper trouxe de novo a esta adaptação - e ainda bem que o fez - foi o facto de colocar todos os actores a cantar ao vivo, não havendo qualquer dobragem posterior. Foi uma escolha que funcionou muito bem a nível dramático, há toda uma nova genuinidade que se consegue desta forma. Nesta escolha optou-se também por transpor toda a carga dramática nas cenas musicais. Aqui quando as personagens sofrem isso é bem patente na interpretação, temos vozes que fogem e choram propositadamente. E neste sentido é preciso salientar a monstruosa interpretação de Fantine por Anne Hathaway. Uma cena absolutamente estrondosa e interpretada de uma forma nunca antes vista, pois no musical mesmo tendo a música ao vivo, há sempre uma preocupação em a canção não falhar (faz sentido). Este é sem qualquer dúvida um dos momentos mais altos do filme, que merece ser apreciado nas melhores condições.


Hooper, preocupa-se muito em mostrar toda esta emoção e talvez por isso a sua câmara esteja sempre muito próxima dos actores durante as interpretações, como se não quisesse arriscar-se a perder um momento que seja desse sentimento ou para não nos obrigar a virar-mos os olhos nos momentos de degradação também. Estes não foram, afinal de contas, os anos dourados franceses.

Voltando ao elenco, tem-se discutido as opções por actores de Hollywood em prol de actores ligados ao musical. Realmente quando Hooper privilegiou escolhas do musical, os resultados foram sempre certeiros, veja-se a prestação de Samantha Barks no papel de Éponine e Daniel Huttlestone como Gavroche, ambos excepcionais. Mas, viremos-nos agora para as escolhas Hollywodescas.

Quanto aos protagonistas, sobre Hathaway não me alongarei mais, ela tem aqui uma das prestações da sua carreira e pode não ser a melhor cantora dos temas, mas a sua bela voz aliada à sua representação da personagem, arrebatam-nos por completo, ela despe-se da sua pessoa e entrega-se a Fantine de corpo e alma (afinal falei mais um pouco). Hugh Jackman já tinha dado provas do seu talento, tanto a nível musical como dramático - quem viu "The Fountain" saberá do que falo. Da sua parte não houve portanto surpresas, o seu Jean Valjean é tudo que devia ser, inspirador e com uma belíssima prestação. Sei que houve quem não gostasse dos cortes nas canções, mas fizeram todo o sentido no filme e Jackman é outro dos que captura tudo isso muito bem.

Surpresas foram o duo Eddie Redmayne como Marius e Aaron Tveit como Enjolras, as caras da possível revolução, as caras de uma juventude à procura de uma nova França. Ambos foram excelentes surpresas a nível musical, dotando os temas em que participam de uma grande vivacidade que em nada perdem para os do musical. Ando a cantarolar "Red and Black" e "Empty Chairs At Empty Tables" a semana toda. Sacha Baron Cohen e Helena Bonham Carter num registo mais cabaret e cómico trouxeram alguns dos momentos mais bem humorados a interpretar o terrífico casal Thénardier. Cohen que vem de um tipo de comédia diferente, tem cada vez mais consolidado a sua carreira em Hollywood com papéis em "Sweeney Todd" e especialmente em "Hugo". Aqui, curiosamente, é aquele cujo sotaque mais se assemelha ao francês.


De todos Russel Crowe tem sido o que recebeu críticas mais duras no seu desempenho de Javert. Ninguém duvida das capacidades de representação do Gladiador, porém, em relação aos seus dotes vocais a conversa é outra, e havendo tantas escolhas disponíveis, porquê Crowe? Antes de continuar quero aqui confessar, que eu gostei de o ouvir, é certo que há vários intérpretes de Javert que cantam muito melhor, mas gostei do tom da sua voz nesta personagem, um tom diferente do clássico dos musicais e mais rockeiro, veja-se a excelente introdução ao filme, numa cena poderosa centrada em Valjean e Javert. O actor não terá carreira como cantor, mas gostei de o ver no filme - tem é de se manter nos graves. De qualquer das maneiras, e nem era preciso sair de Hollywood, vejo o Gerard Butler como uma melhor escolha para Javert. Ele deu provas em "The Phantom of the Opera" de Joel Schumacher que sabe cantar e tem o tal timbre rockeiro que vejo assentar muito bem em Javert.

Quanto a Cosette foi muito bem interpretada na sua fase de inocência por Isabelle Allen e posteriormente por Amanda Seyfried que cumpriu o que lhe era proposto.

Temos aqui um grande épico sobre uma altura conturbada para a França, que via o seu povo nas condições mais miseráveis, após o império de Napoleão. No centro, temos a personagem de Jean Valjean, preso por ter roubado um pão e que após 19 anos de martírio, encontra na acção de um bispo, a sua redenção e uma nova vida (Trevor McKinney ficaria orgulhoso). A bondade pode por vezes ser recompensada, mas não é o caminho fácil da vida, o verdadeiro altruísmo, onde abdicamos de nós pelo bem dos outros é dos sentimentos mais louváveis, mas também dos mais difíceis. Valjean é uma inspiração, atente-se, por exemplo, na sua relação com o seu némesis. Nunca em nenhum momento ele culpa Javert pelas suas acções, vendo-o antes por aquilo que ele é, um filho da sua época e realidade, alguém que crê fortemente nas suas convicções, mesmo que estas estejam, infelizmente, erradas.

[SPOILER - se tal é possível na história dos Miseráveis]

E é essa a lição que Javert recebe, uma lição que ao lhe destruir toda a moral pela qual viveu, lhe destrói, por conseguinte, a vida também.

2 comentários:

Ana Sofia Santos disse...

adorei a tua conclusão. 10 points

Loot disse...

merci mademoiselle Santos :)