terça-feira, abril 08, 2014

O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha II


A segunda parte deste monumento literário foi publicada 10 anos após a primeira. O que me apanhou de surpresa foi o facto da primeira parte existir dentro do livro. Passo a explicar. Quando Dom Quixote regressa às suas lides cavaleirescas com Sancho, rapidamente descobre que tem andado a circular um livro com as suas aventuras. Ora esse livro é precisamente o mesmo que nós, leitores, lemos, ou seja, a primeira parte do "Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha". Nada que seja estranhado por Dom Quixote uma vez que os Cavaleiros estão habituados a ter as suas façanhas impressas e imortalizadas em livros.

Cervantes vai ainda mais longe nesta mistura entre a ficção e a realidade. É após o tempo em que saiu o primeiro livro um outro escritor - sem consentimento e conhecimento de Cervantes - publicou uma suposta continuação destas aventura. Esta segunda parte falsa também existe nesta história e é muito mal vista pelos olhos dos seus protagonistas (espelhando os do autor também) que não se revêem nesses feitos que lhes são atribuidos. Perto do final Cervantes até une Quixote com uma das personagens desse outro livro, colocando-os frente a frente. Aqui está "Dom Quixote" a ser também um trabalho de meta-ficção.

Nesta nova saída da Mancha por parte de Dom Quixote, existe uma grande diferença em relação às duas anteriores. É que desta vez o cavaleiro é reconhecido por todos aqueles que leram ou ouviram falar do seu livro. Como é exactamente o mesmo que lemos todos sabem que ele é louco e são muitos os que se aproveitam disso para o enganar e rir-se às suas custas. São situações tremendamente engraçadas, mas elaboradas à custa de uma série de enganos que fazem aos dois protagonistas. A forma como as pessoas se aproveitam da locura de Dom Quixote para proveito próprio é um dos grandes temas desta segunda parte. Ainda assim as coisas parecem ser piores para Sancho cujo pêlo leva das boas por causa das falsidades que outros plantam na mente de Dom Quixote.

SPOILERS

Por falar em Sancho Pança, que maravilhosa personagem, quem o viu e quem o vê no final deste livro. Surpreendemente sempre conseguiu ser Governador de uma Ínsula (tecnicamente não era uma Ínsula). Sancho Governador surpreendeu muito com os seus bons juizos, mas passar fome como passava, não era vida para ele e poucos dias durou o seu governo.

No final os seus amigos sempre conseguem convencer Dom Quixote a regressar a casa. Claro que para isso tiveram de o vencer segundo as regras da cavalaria exigindo que durante um ano abdicasse das armas. Como o bom cavaleiro que é Dom Quixote cumpriu o que lhe era suposto, mas abdicar desta vida foi demasiado para si e ao regressar não demorou muito a perder as forças e a aproximar-se da sua morte. Nos seus últimos momentos recupera a sanidade, crítica severamente os romances de cavalaria e volta a responder pelo seu nome de baptismo Alonso Quijano.

No final temos uma bela despedida de Cide Hamete o suposto escritor destas aventuras, que não é nada mais nada menos do que Miguel de Cervantes: "Para mim somente nasceu Dom Quixote, e eu para ele".

 Gostava de fazer justiça a esta obra com as palavras que escrevo. Talvez numa outra altura com maior disponibilidade. Pelo menos deixo aqui algum testemunho, para não deixar de mencionar aqui um dos melhores trabalhos literários que acompanhei. Escolho este verbo porque Dom Quixote e Sancho Pança são personagens tais que me despeço deles agora como se me despedisse de dois amigos. Agora continuarei eu a seguir as pisadas desse cavaleiros, que por mais louco que fosse, também foi um dos melhores homens a pisar a terra.

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