SPOILERS
“Orphan Black” é mais uma preciosa sugestão relacionada com as melhores séries estreadas este ano. Trata-se de uma produção canadiana e americana, criada por Graeme Manson e John Fawcett.
No piloto somos introduzidos a Sarah Manning (Tatiana Maslany) uma jovem rapariga que decide regressar a uma cidade canadiana, cujo nome - acho mesmo - não é mencionado, para vir buscar a filha Kira que havia abandonado há 10 meses atrás - não deve ter nada a ver mas acho curioso que Kira em Japonês signifique assassino. Na estação de comboios Sarah encontra uma mulher fisicamente idêntica a ela, precisamente no instante antes de esta se atirar para a frente de um comboio. Instintivamente Sarah agarra na mala da suicida e foge. De forma a esvaziar a conta bancária da sua doppelganger, Sarah decide assumir temporariamente a sua identidade. Claro que trocar de identidade com alguém que acaba de cometer suicídio pode não ser uma boa ideia, afinal de contas convém descobrir primeiro as razões que levaram determinada pessoa a enveredar por esse caminho e rapidamente Sarah vai começar a perceber o porquê e no que se meteu.
Algo que nos agarra logo no piloto são as
personagens, nomeadamente Sarah Manning e Felix Dawkins (Jordan Gavaris) – o seu
irmão adoptivo. Estão bem construídas e começamos logo a ter
interesse no desenrolar das suas vidas. De qualquer das formas mereciam sempre o benefício da dúvida nem que seja por ela usar
uma t-shirt do álbum “London Calling” e por ele ter a palavra Rimbaud a decorar-lhe a casa. Apesar de viverem
há bastantes anos no Canadá, convém referir que ambos são naturais de Inglaterra.
No final do piloto ficamos a conhecer mais uma doppelganger de Sarah – de origem
alemã – e a intriga começa a aquecer. É a partir de aqui que "Orphan Black" revela o seu lado de ficção científica em adição ao thriller dramático que é.
A explicação para tantas caras idênticas por muito que as personagens achem
estranho é, realmente, a mais lógica: clonagem. Uma organização desconhecida tem vindo a
criar clones e a monitoriza-los desde sempre, nunca interferindo nas suas
decisões. Se estes clones não tivessem começado a ser assassinados talvez Sarah
e outras como ela nunca se tivessem cruzado. Já agora foi um golpe fantástico o de
colocar um dos clones como o assassino.
A facção que educou o clone assassino, Helena, do pouco ou nada que sabemos dela, parece ter claras associações à Igreja e trata-se de um grupo que considera a clonagem uma abominação perante as leis de Deus, ou assim nos dão a entender. Do outro lado temos o grupo da ciência, um grupo claramente avançado para o seu tempo, mas onde a ética parece não assumir um papel preponderante. Ainda não foi respondido qual é exactamente o objectivo destes clones, mas estará claramente associado ao neoevolucionismo, que na série é uma corrente que defende a evolução assistida e planeada pelo próprio utilizador. De qualquer das formas o "simples" facto de termos clones a crescer em diferentes locais parece-me ter o potencial para ser uma das maiores experiências científicas de sempre, senão a derradeira, em relação à questão DNA VS Ambiente (sobre este tema dedico alguns parágrafos no final). Em adição, como alguns clones se conhecem, a série acaba por abordar também os impactos da clonagem na identidade pessoal de cada um deles, outro aspecto, a nível psicológico muito interessante.
A série tem também uma abordagem muito actual, criando grupos de pessoas aderentes do movimento do neovolucionismo que misturam os seus conceitos com as novas tecnologias cibernéticas. Há todo um sub-grupo novo de pessoas, que será interessante conhecer melhor.
Algo que também é preciso elogiar é o enorme gosto em ver Tatiana Maslany a interpretar uma série de personagens diferentes. Há determinadas cenas como uma conversa entre ela e Helena em que por momentos nos desligamos e pensamos que estamos a ver duas pessoas diferentes. Claro que a maquilhagem ajuda muito, mas os sotaques, as expressões e maneirismos estão mesmo muito bons. De todos os clones considero a Cosima como o elo mais fraco, parece-me ser a que tem o tratamento mais superficial em relação às outras que estão melhor escritas, mas tal pode dever-se ao facto de estar mais familiarizado com o ambiente dessa personagem, por exemplo, numa cena em particular ela parece-me estar a ler os nucleótidos como se estivesse a ver quais eram usados, ora todos que estudam ciência sabem que só há quatro - um difere entre DNA e RNA. Claro que como a Cosima, juntamente com a Sarah, é a mais sensual (sim são todas a mesma actriz, mas há diferenças), por mim fica até ao fim. Por falar em sotaques, também é preciso salientar o trabalho de Jordan Gavaris não só pelo lado britânico que deu à personagem mas por todo o seu trabalho a criar a sua personagem.
No meio de tantos elogios fica um travo amargo no final. No
último episódio constrói-se muita tensão à volta da mensagem codificada que se
encontra no DNA dos clones e ao esta se descobrir não causa o impacto que é suposto.
Mesmo que uma empresa tenha patenteado a clonagem isso não muda rigorosamente
nada na vida das personagens, elas que não se iludam, nenhum tribunal vai
considerar um ser humano como propriedade de alguém, clone ou não clone (sim
não existem leis para algo que não existe, mas quero crer que estou certo
aqui). Por isso fico ansioso, mas também apreensivo para ver como vão pegar
nisto na segunda temporada, onde espero também obter mais repostas,
nomeadamente em relação a Kira, que claramente parece ter algo “mais” nos seus
genes.
A forma mais próxima da ideal para avaliar a forma como o ambiente nos afecta é termos pessoas com o mesmo genoma a interagir em sítios diferentes, daí muitos estudos utilizarem gémeos (é como ter dois clones). Como é evidente estamos a falar de um produto de ficção sem rigor científico, mas como gosto de reflectir sobre este tema, vou pegar nas questões que a série já levantou nesta primeira temporada.
Rapidamente ao analisarmos os poucos clones que já conhecemos de Sarah, percebemos logo que todos são significativamente diferentes, até aqui nada de novo, a grande questão continua a ser, até onde o DNA condiciona as nossas escolhas mesmo em meios distintos? Veja-se Sarah e Alison, duas pessoas com personalidades tão diferentes mas que partilham numa determinada cena o mesmo maneirismo. Uma indução de que claramente há aspectos que são completamente alheios do meio-ambiente e directamente relacionados com a nossa hereditariedade.
No caso de Cosima até a sua orientação sexual difere das restantes, algo que dá ênfase a que a nossa orientação sexual pode estar mais relacionada com aspectos culturais do que biológicos (pessoalmente não descartaria os biológicos tão cedo como a personagem o faz). Por exemplo, no que toca à formação da orientação sexual em particular, não estando muito a par dos estudos desenvolvidos na actualidade, tenho ideia que ainda não existe uma conclusão definitiva e que actualmente a maioria crê tratar-se de uma combinação entre factores sociais e factores hormonais (logo genéticos), basicamente como tudo na vida quem somos é uma mistura de determinados factores. Há estudos que também dão muito ênfase ao ambiente uterino em que se encontra o feto, nomeadamente à epigenética. Neste aspecto em particular os gémeos seriam sujeitos melhores a estudar uma vez que o ambiente uterino é o mesmo.
Como deu para perceber hipóteses neste tema não faltam, há uma série de factores considerados importantes no desenvolvimento humano e a resposta a este tipo de questões poderá não estar em nenhum deles, mas antes em todos, e isto vale para tudo, para a eterna questão de quanto da nossa vida corresponde à liberdade de escolha ou à necessidade - todos nós até certo ponto estamos condicionados a comportarmos-nos de certa forma porque crescemos em determinado ambiente e porque nascemos com determinados genes.
Optei por colocar este texto no final porque achei que nele me estava a afastar do comentário à série que até tem mais de thriller do que de ciência. Mesmo assim queria frisar que o potencial num enredo destes é enorme e fico ansioso para ver como o continuarão a desenvolver.
DNA VS AMBIENTE
A forma mais próxima da ideal para avaliar a forma como o ambiente nos afecta é termos pessoas com o mesmo genoma a interagir em sítios diferentes, daí muitos estudos utilizarem gémeos (é como ter dois clones). Como é evidente estamos a falar de um produto de ficção sem rigor científico, mas como gosto de reflectir sobre este tema, vou pegar nas questões que a série já levantou nesta primeira temporada.
Rapidamente ao analisarmos os poucos clones que já conhecemos de Sarah, percebemos logo que todos são significativamente diferentes, até aqui nada de novo, a grande questão continua a ser, até onde o DNA condiciona as nossas escolhas mesmo em meios distintos? Veja-se Sarah e Alison, duas pessoas com personalidades tão diferentes mas que partilham numa determinada cena o mesmo maneirismo. Uma indução de que claramente há aspectos que são completamente alheios do meio-ambiente e directamente relacionados com a nossa hereditariedade.
No caso de Cosima até a sua orientação sexual difere das restantes, algo que dá ênfase a que a nossa orientação sexual pode estar mais relacionada com aspectos culturais do que biológicos (pessoalmente não descartaria os biológicos tão cedo como a personagem o faz). Por exemplo, no que toca à formação da orientação sexual em particular, não estando muito a par dos estudos desenvolvidos na actualidade, tenho ideia que ainda não existe uma conclusão definitiva e que actualmente a maioria crê tratar-se de uma combinação entre factores sociais e factores hormonais (logo genéticos), basicamente como tudo na vida quem somos é uma mistura de determinados factores. Há estudos que também dão muito ênfase ao ambiente uterino em que se encontra o feto, nomeadamente à epigenética. Neste aspecto em particular os gémeos seriam sujeitos melhores a estudar uma vez que o ambiente uterino é o mesmo.
Como deu para perceber hipóteses neste tema não faltam, há uma série de factores considerados importantes no desenvolvimento humano e a resposta a este tipo de questões poderá não estar em nenhum deles, mas antes em todos, e isto vale para tudo, para a eterna questão de quanto da nossa vida corresponde à liberdade de escolha ou à necessidade - todos nós até certo ponto estamos condicionados a comportarmos-nos de certa forma porque crescemos em determinado ambiente e porque nascemos com determinados genes.
Optei por colocar este texto no final porque achei que nele me estava a afastar do comentário à série que até tem mais de thriller do que de ciência. Mesmo assim queria frisar que o potencial num enredo destes é enorme e fico ansioso para ver como o continuarão a desenvolver.
7 comentários:
Para mim, foram algo penosos os primeiros 2 episódios. Aconselho os que iniciarem a visualização da série, caso não se estejam a interessar muito pela mesma, a dar-lhe uma nova oportunidade até ao 3.º episódio. Quanto a Jordan Gavaris, já o tinha visto no episódio de estreia de Unnatural History (que jamais voltei a ver LOL) e está irreconhecível.
Abraço,
Nuno
Olá Nuno
É verdade a série vai melhorando à medida que avança. Mesmo assim achei o piloto sólido. Eu pessoalmente nunca deixo de ver uma série pelo primeiro, mts vezes enganam.
O Unnatural History nunca vi, mas sim o Jordan Gavaris parece ser um actor bastante versátil e não o queria deixar passar despercebido uma vez que ela tem muito mais trabalho e protagonismo.
Abraço
Orphan Black é muito bom. Os dois primeiros episódios pecam quando se tem conhecimento da premissa da série, contudo foram essenciais para construir os personagens e as relações entre eles.
Das melhores séries de FC dos últimos tempos, e merecia um comentário mais longo, mas o meu tempo escasseia.
Eu neste caso fui mesmo de olhos vendados, sem saber nada sobre a série, a confiar na sugestão que me deram.
Sugestões preciosas, planeio falar de outra nos tempos próximos que se chama Utopia e envolve BD já agora (como sei que ambos são fãs na nona arte :P)
Abraço
Obrigado pela sugestão, não conhecia a série e vou ver de certeza.
Dentro daquilo que mencionas, parece-me que há aqui material para várias temporadas. A temática da clonagem sempre me fascinou, espero que a série esteja à altura, ficção científica a sério!
Abraço,
A primeira temporada pelo menos vale muito a pena, vi-a num fim-de-semana numa daquelas maratonas que já tinha saudades de fazer. Nesta segunda temporada devemos ter mais desenvolvimentos sobre esta temática do neoevolucionismo ou evolução assistida :)
Olha vi arrow já também. Boa surpresa, tinhas razão. Quando começou pensei que ia ser um bocado banhada até por ser da CW que é canal de namoricos e pouco mais, mas gostei, vou seguir a segunda.
abraço
Mais uma boa surpresa. Como diz a EW "There's no better special effect on television right now than Tatiana Maslany". :D
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