terça-feira, dezembro 24, 2013

Conto de Natal


Como é costume, coloco todos os anos por esta altura um post a desejar-vos a todos um Feliz Natal. Desta vez queria acrescentar também um conto de Natal que escrevi para concorrer a uma antologia que o Rui Alex me deu a conhecer. A antologia em questão é a "Fénix" (a imagem é da capa) que neste seu terceiro número procurava contos de fantasia, ou ficção científica ou horror, com o tema do Natal. Os contos não podiam exceder as 650 palavras (com alguma margem).


O conto foi aceite e a antologia encontra-se disponível gratuitamente aqui. Para bem e para o mal deixo em seguida o meu conto. Mesmo que não gostem a intenção de o colocar para vos desejar Feliz Natal é boa.



NOITE DE SONHO


A noite prosseguia fria mas acolhedora. A lua exibia-se cheia e abraçava todos os seus caminhantes, como se estivesse a desejar-lhes a tal noite feliz que se espera numa véspera de Natal. A maioria apressava-se para chegar a casa e festejar a consoada em família, mas alguns apenas caminhavam para quebrar o gelo que se apoderava dos seus corpos, com receio de adormecerem nas ruas uma última vez. Muitos dirão que para eles este é um dia como todos os outros, mas muitos estarão enganados.

Por entre a multidão caminhante, havia apenas uma figura que se encontrava imóvel, ou melhor, imutável. A sua presença não era notada e nem o vento glacial era capaz de lhe arrancar um suspiro ou tremor, por mais pequeno que fosse. Silencioso mantinha o seu olhar fixo numa janela. Sorrateiramente uma voz surgiu-lhe nas costas.

— Desconhecia que eras um entusiasta das épocas festivas.

O vigilante moveu-se, não por curiosidade, mas por cortesia. Não existe face que lhe seja desconhecida, neste ou noutro mundo qualquer. Quem se aproximava na sua forma de criança, irrequieta e falsamente cândida, era o espírito dos sonhos.

— Boa noite Sonho. Por aqui tão cedo? Esta noite todos se deitam mais tarde.

— Há sempre alguém no meu mundo e os passeios nocturnos daquele que tudo sabe intrigam-me sempre. A que devemos a honra, Destino?

Enquanto respondia, Sonho deixava-se perder no olhar do seu conhecido. Destino não possui olhos, mas antes vários universos dentro de si. Ao abrir as pálpebras, a luz das estrelas e do cosmos, emanavam com um poder tal que, se ficássemos muito tempo a olhar para eles, poderíamos ir a qualquer lado. Sonho adorava a sensação.

— Conhecer e viver são duas coisas diferentes, tu que mexes com a fantasia devias saber a distinção — respondeu-lhe Destino voltando novamente a sua atenção para a janela que observava. — Estás a ver esta casa à nossa frente? Está quase a acontecer.

Sonho virou a sua atenção para a mesma janela, onde, sentada, uma mãe conversava seriamente com o seu filho.

— Está a contar-lhe que o Pai Natal não existe — disse Destino com um olhar brilhante.— Presta atenção, o seu olhar está a ficar cristalino, a sua face vermelha, mas não chora. Está zangado não porque lhe mentiram, mas porque neste momento se apercebeu que não há mais nada no mundo, não existe magia, não há o impossível — aproximou a sua face da de Sonho, envolvendo-o quase por completo. — Por vezes gosto de sair e ver a chama nos seus olhares apagar, porque são estes pequenos momentos que os aproximam de mim e do caminho que vão seguir.

Sonho ouvia sossegado, a sua face era serena e imperturbada, ele conhecia a entidade com quem conversava e sabia que ela não tinha qualquer poder sobre ele. A criança sentava-se agora sozinha a olhar para a janela e enquanto a sua mãe abandonava a sala, também Destino abandonou Sonho, sem uma despedida, ou uma nota final.

Enquanto caminhava em direcção à janela, Sonho ouviu uma nova voz familiar, gritando pelo seu nome ao longe. Era o espírito da floresta que saltava e rodopiava na sua direcção.

— Alguma ocasião especial para te encontrar pela cidade? — questionou-o Sonho.

— Ouvi que ia nevar hoje — disse alegremente enquanto despenteava, com as mãos castanhas, o seu farto cabelo verde — Não é todos os dias que neva em Lisboa.

Não, não é todos os dias, mas acontece. Pensou Sonho sorrindo.

— Então e tu, a trabalhar?

— Ainda não — respondeu-lhe Sonho encostando a mão na janela. — Por vezes gosto de vir aqui ver a chama no olhar dos deuses iluminar-se, é nesse momento que eles acreditam que tudo sabem, que tudo controlam, não imaginando que um dia vão estar enganados, porque eu vou estar sempre aqui.

A criança do outro lado espreitava para fora. Não podia vê-lo - ainda estava acordada - mas por alguma razão encostou a palma da sua mão onde Sonho tinha a dele. Começou a nevar.

2 comentários:

Osvaldo Correia disse...

Feliz Natal, Loot. :)
Que seja bem recheado de prendas. :D

Optimus Primal disse...

Feliz Natal para ti tambem e com muita(s) bd(S)