segunda-feira, março 19, 2012

The Uncanny X-Men: The Dark Phoenix Saga


Serão muitas, mas "The Dark Phoenix" conquistou definitivamente o seu lugar como uma das sagas mais clássicas da Marvel em geral e dos X-Men em particular.

Actualmente a Phoenix Force é conhecida como uma das mais poderosas forças cósmicas do universo Marvel, sendo descrita como: "The embodiment of the very passion of Creation – the spark that gave life to the Universe, the flame that will ultimately consume it" [1]. Trata-se de uma manifestação da força universal da vida e da paixão, imortal e, quiçá, além do Criador, invencível. Porém, nem sempre foi assim.

Originalmente a entidade Phoenix, criada por Chris Claremont e Dave Cockrum em 1976 é na sua génese, pura e simplesmente, uma mulher, uma mutante, de seu nome, Jean Grey. Quando Jean atinge o seu potencial máximo, torna-se neste ser de pura energia, renascendo como a Phoenix. Tal ocorre quando os X-Men regressavam de uma missão espacial e Jean pilotava a nave danificada. Estando a morrer devido à radiação de uma explosão solar à qual foi exposta, Jean dá tudo por tudo para salvar Cyclops e os seus amigos e é aqui que o seu poder é levado ao extremo. Quando emerge victoriosa da sua tarefa, já não é a Marvel Girl que temos à nossa frente, mas a Phoenix. Num estalar de dedos Jean deixa de ser o membro mais fraco da equipa para se tornar o mais poderoso [2].

É muito importante ter estes conceitos ao ler estas histórias porque mudam significativamente a nossa percepção da leitura. É que a possessão de Jean Grey por uma entidade cósmica, a Phoenix Force (tal como é considerado oficial hoje em dia), torna todas as suas acções nesta história desculpáveis. Se tivermos em conta que na altura Chris Claremont e John Byrne escreveram isto apenas com a Jean Grey em mente, mesmo que uma Jean levada à loucura pela imensidão do seu poder, as coisas são totalmente diferentes e o final muito mais trágico.


Assim fica muito mais clara a importância que esta história teve na década de 80. Os X-Men foram muito importantes, neste género de BD, ao introduzirem fortes personagens femininas e heróis humanos, com falhas, tal como tu e eu. "The Dark Phoenix" foi mais um desses marcos na História desta editora e que ainda hoje é relembrada como um dos seus pontos altos. Na sua génese estamos perante uma história que aborda a corrupção pelo poder, como Jean Grey se deixa consumir por uma força demasiado poderosa para ela conter e como isso afecta a sua vida e a de todos. É curioso constatar, no entanto, que apesar de originalmente a Phoenix se tratar apenas de Jean Grey nem todos olhavam para ela da mesma forma. Já durante este arco um dos autores, John Byrne afirmava ver a personagem de Jean como um ser possuído por uma outra entidade, que não simplesmente o seu lado negro. E tal visão acaba por fazer-se sentir ligeiramente ao ler a história.

Os membros dos X-Men, durante esta fase são: Cyclops (o líder), Phoenix (Jean Grey), Wolverine (o melhor naquilo que faz), Colossus (o tanque metálico), Nightcrawler (o demónio azul) e a bela Storm (deusa do tempo). As personagens com que estamos a lidar fazem toda a diferença numa história e felizmente estamos perante um dos tempos mais gloriosos desta equipa, até porque o Beast (nesta altura Avenger), um dos meus favoritos, também surge a dada altura tal como o Angel. Ficou só a faltar o Iceman para vermos os membros originais reunidos. O ausente professor Xavier, também regressa neste arco à equipa. O seu afastamento dos X-Men fragilizou-lhe a auto-confiança e ego, fazendo-o comportar-se por vezes de uma forma bastante infantil, nomeadamente com o seu protegido, Cyclops. Felizmente há medida que a história progride também a personalidade de Xavier.

Podemos dividir "The Dark Phoenix Saga" em duas partes. A primeira prende-se com o arco do "the Hellfire Club" que faz aqui a sua primeira aparição dos X-Men, um grupo de poderosos mutantes que usam as suas ligações para reunir poder. Hoje em dia são um grupo que dispensa apresentações e escolhido para integrar o mais recente filme desta saga, "X-Men: First Class".
Jason Wyngarde, misterioso membro deste clube elitista tem a seu cargo o controle do membro mais poderoso dos X-Men e que seria uma mais valia para o clube. Wyngarde é na realidade um antigo vilão bem conhecido desta equipa e que usa os seus dotes para manipular a mente de Jean de forma a ela acreditar que é a sua mulher e a Black Queen do Hellfire Club. Porque a White Queen é um cargo já ocupado por Emma Frost (mal ela sabe aqui que um dia irá estar lado a lado dos X-Men e a partilhar a cama com Cyclops).
Jean por sua vez vai sentido estas interferências na sua mente, mas quando ocorrem fica impotente acreditando em tudo que Wyngarde lhe diz. Os seus poderes são também cada vez mais incríveis, através da sua telequinésia é capaz de ordernar os átomos na forma que quer alterando assim a matéria. Cyclops teme pela vida da sua amada sempre que a vê usar os seus poderes a um nível tão divino.


Durante este arco temos alguns momentos muito interessantes, uma vez que mostram as primeiras aparições das futuras X-Women, Kitty Pride (Shadowcat) e Alison Blaire (Dazzler). Ambas acabam por ter um papel importante no primeiro arco, especialmente Kitty com apenas 13 anos, ainda que não seja desta que integram a equipa.
O confronto com o Hellfire Club é também um grande momento de aventura. É a primeira vez que tanto nós como os X-Men têm conhecimento do que Sebastian Shaw e companhia são capazes o que a início dificulta os heróis. Wolverine é talvez o X-Men que brilha mais nesta parte tendo até um monólogo digno de Dirty Harry. Atente-se que em toda a história nunca fazem sequer uma única menção ao seu factor de cura, o seu poder mutante mais relevante, estamos portanto bem distantes dos tempos actuais em que este é usado até à exaustão.

No final acaba por ser graças à força do amor de Jean por Cyclops que ela quebra a interferência de Wyngarde, mas estragos maiores foram feitos e parecem ser agora irreversíveis. Uma nova personagem emerge da mente de Jean auto intitulando-se de Dark Phoenix e ao contrário da antiga, esta não se preocupa com nada além da sua fome por poder.
Wolverine é de todos o primeiro a ver que esta nova personna a não se trata mais de Jean Grey e por isso o primeiro a ter noção do que é necessário fazer. Porém, sempre que a Phoenix se mostra como Jean, Logan hesita. Ele não é capaz de matar a mulher que ama e sabe-o. É curioso vê-lo, no futuro, a colocar esta missão nas mãos de Colossus. O problema é que o coração de Colossus é demasiado puro para este atacar a sua velha amiga de forma letal. E na realidade qual o X-Men que é capaz de o fazer?

Xavier, que se trata de um dos mais poderosos telepatas da Terra, acaba por ser o único a conseguir acalmar a Phoenix ao esconder a sua personalidade negra na mente de Jean. Mas, quanto tempo isto durará? Os X-Men estão dispostos a correr o risco, mas o Império Shi'ar, após assistir à devastação causada pela Phoenix, não.
É nesta aventura que a tropa real dos Shi'ar enfrenta o X-Men num confronto pela vida de Jean Grey. A tropa real Shi'ar, não são meros adversários, prova disso é o seu líder, o confiante Gladiator, uma espécie de Superman do universo Marvel.

Conseguirão os X-Men salvar um dos seus? Pior ainda, existe salvação possível para um ser como a Dark Phoenix? A resposta está aqui, naquele que é uma das melhores e mais grandiosas aventuras deste grupo de mutantes.

Algumas coisas que nos chamam imediatamente a atenção ao iniciar esta leitura é a forma como esta história é contada, bem diferente da BD mais moderna. Falo especificamente da existência de um narrador. Em "The Dark Phoenix" os autores narram todos os passos do enredo e quando digo todos são mesmo todos. O simples acto de Wolverine libertar as suas garras tem de ser mencionado ou na narração ou pela personagem. Ora a utilização de imagens que mostram isso tornam essas notas obsoletas e hoje em dia é uma prática que deixou de existir. Os desenhos são também diferentes, estamos numa época mais tradicional onde os programas digitais não eram tão privilegiados. Byrne o artista a cargo do desenho tem aqui mais um dos seus notáveis trabalhos e por isso não é de estranhar que, hoje, o seu nome dispense qualquer tipo de apresentações.


Como é comum, nenhum dos autores envolvidos fazia ideia na altura das repercussões que esta história viria a ter. Tanto Claremont como Byrne estavam apenas entusiasmados a escrever mais uma grande aventura dos X-Men e uma das razões que a tornou tão épica, o final, nem sequer fazia parte dos planos originais.
Como considero interessante contextualizar todo este cenário vou debruçar-me sobre este assunto em seguida e para isso terei de revelar o final. Penso que a grande maioria, mesmo quem não tenha lido a história, já o conhecerá. Contudo, tal como Stan Lee diz no prefácio da edição que li, não vou arriscar a arruiná-lo para ninguém. A partir daqui avance quem quiser.


[SPOILERS]


A ideia dos autores por detrás da criação da Phoenix era a de dar um "peso pesado" à equipa dos X-Men, aquilo que o Thor é para os Avengers. Só que no feminino uma vez que a maioria dos heróis mais poderosos eram masculinos.
O problema é que a personagem foi ficando cada vez mais poderosa e isso levantava problemas, na opinião de Byrne e do editor Jim Salicrup. "The Dark Phoenix Saga", como viria a ser apelidada no final, é a história que lida com essa questão, a de como o poder de Jean ficou demasiado grande para um ser humano conseguir suportar e como esse poder a levou à loucura, a levou à criação do seu lado sombrio, a Dark Phoenix. É de realçar, no entanto, que o vilão Mastermind teve um papel a desempenhar nesta conversão ao mexer com a mente de Jean.
Porém, nunca a Claremont e Byrne passou pela cabeça matar Jean Grey no final da história. A ideia seria tirar-lhe os poderes a este nível divino para assim integrar novamente os X-Men como sempre havia feito.

Só que algo aconteceu entretanto, Byrne, a dada altura teve a ideia de colocar a Phoenix a consumir um sol que resultou na morte de um sistema solar que era habitado. A doce Jean era agora responsável pela morte de um planeta inteiro com vida inteligente. Após ter lido isto e conhecimento do final planeado, o editor Jim Shooter não o aceitou. Na sua opinião Jean tinha de ser tida como responsável pelos seus actos. Claremont que na altura não ficou contente com isto procurou formas de alterar a história. Uma delas seria ter Jean a ser julgada pelo Império Shi'ar e condenada. Contudo, os X-Men jamais deixariam de lutar por ela. A única conclusão estava à vista de todos, por mais que custasse, Jean tinha de morrer [3].

Na altura havia também uma grande discussão à volta da personalidade da Jean Grey e da Phoenix. como referi na sua génese a Phoenix e a Jean foram criadas para serem uma única entidade. Porém, há medida que a história de "The Dark Phoenix" progride esta visão vai sendo colocada em questão. Byrne por exemplo via a Dark Phoenix como uma outra entidade que possuía Jean Grey. Isto nota-se bem na história, a dada altura parece que os próprios X-Men espelham a personalidade dos autores. Wolverine é como Byrne e separa Jean da Phoenix, Claremont como Colossus que reconhece o poder destrutivo que a Phoenix causou mas mesmo assim prefere lutar com amor e salvar a sua colega e Shooter que é mais como a Storm, ama a personagem mas não consegue ultrapassar o resultado dos seus actos, os quais abomina e vão contra tudo o que acredita.

Se de facto Jean e Phoenix fossem entidades separadas esta era a razão perfeita para desculpabilizar a personagem dos seus actos, mas Shooter não a via assim e não abdicou da sua decisão. A história é muito boa e o final culminando na morte de Jean muito mais intenso, ela suicida-se num breve momento de sanidade pois tem noção do quão perigosa se tornou e de como os seus amigos se recusam a fazer o que é necessário.

O problema aqui é que nesta altura matar uma personagem tinha mais impacto do que hoje em dia em que já ninguém acredita que a morte é eterna na BD. E Jean era uma personagem amada que muitos queriam ver regressar.
Muita conversa foi gerada em torno de um possível regresso, novamente, para Shooter a única maneira de Jean regressar era arranjar forma de a absolver dos seus pecados. Foi então em 1986, passados 6 anos da morte de Jean, que se tornou oficial a existência da Phoenix Force como uma entidade separada e a trouxeram de volta à vida.

Não chegava ficar por aqui? A existência de uma entidade que possui Jean não é suficiente para justificar a sua inocência? Para mim a resposta é um grande sim. Até porque o final continua a ter impacto uma vez que os X-Men desconhecem tal facto. Mas, infelizmente, não foi para todos. E por isso além desta decisão foi "inventado" que quando a Phoenix Force possuiu a Jean, após esta aceitar a sua ajuda para salvar os seus amigos, criou uma cópia do seu corpo deixando o original num casulo a curar-se dos ferimentos. A Phoenix Force faz com que esta "cópia" da Jean possua a essência da original que acredita tratar-se do seu verdadeiro corpo. Concluindo, todos os actos em "The Dark Phoenix" são protagonizados por um clone de Jean Grey possuído pela Phoenix Force, o que foi quanto a mim uma decisão bastante infeliz e desnecessária [4].



Nota: "The Dark Phoenix Saga" compila os números 129-138 dos "The Uncanny X-Men" editados originalmente em 1980.

6 comentários:

rui alex disse...

nossa, grande, grande texto, que deixa adivinhar uma aturada pesquisa!

gostei de ler.

Loot disse...

Obrigado Rui :)

Já pelo menos uma pessoa leu já valeu a pena :P

O mais curioso foi reparar que nunca tinha falado de um livro dos X-Men no blog. Ao menos comecei em grande.

Abraço

tadeu disse...

gosto tanto de ler o que escreves que nem me importei de ir para os spoilers.
facto, a probabilidade de ler estas bd´s é quase zero, mas à parte disto, é a certeza de que irias tratar o texto com precisão. princípio meio e fim.
parabéns...já sabias mas volto a dizer: adoro o alternative prison!! :)

Loot disse...

Muito obrigado :D

Sabe sempre bem receber elogios sobre algo que escrevemos. Ainda bem que gostaste. Se tiveres oportunidade espreita que vale a pena.

Infelizmente nem sempre tenho tempo ou paciência para me aprofundar tanto sobre uma obra, mas neste caso achei importante referir tudo isto :)

Abraço

ψ Psimento ψ disse...

Mas que espantosa revisão literária desta saga. É sem dúvida uma das mais marcantes e interessantes sagas dos X-Men. E é sem dúvida um momento de viragem para todos os personagens envolvidos. Depois disto nada seria o mesmo.
Em 2005 saquei tudo que havia de X-Men desde as suas origens em 1964 e li tudo até à actualidade. Demorei anos mas passei a história dos X-Men a pente fino até chegar à actualidade e está foi sem dúvida uma das historias que mais gostei. Lembro-me o quão deliciado eu ficava sempre que chegava a uma bd onde era introduzido um personagem que eu sabia o quão famoso e importante se viria a tornar. :)
Os X-Men sempre foram uma presença na minha vida desde que me lembro e penso que me vão acompanhar sempre.
Ainda há pouco terminei de jogar (novamente) o X-Men Legends II, é bem engraçado.
Um abraço

Loot disse...

Leste tudo deles? És oficialmente o maior especialista de X-Men com quem já falei. Quando tiver alguma questão já sei quem chatear :P

Isso do jogo é que me soa bem, só recentemente me meti nessa má vida e gostei muito do Arkham City.