terça-feira, janeiro 25, 2011

Nosferatu, eine Symphonie des Grauens

A obra que mais popularizou o mito do vampiro, foi certamente, "Dracula" do Irlandês Bram Stoker. A partir daqui nada voltaria a ser o mesmo e hoje trata-se muito possivelmente do romance que mais vezes foi adaptado ao cinema, sem contar com futuras utilizações da personagem Drácula em outras obras, sejam elas literárias, cinematográficas, etc.. Dracula veio para ficar, disso não há dúvidas, a personagem é, na melhor das suas definições, verdadeiramente imortal.
"Nosferatu, uma sinfonia de horrores" de F.W. Murnau, foi a primeira adaptação deste romance ao cinema, tendo surgido numa das fases mais prolificas do cinema alemão, a do expressionismo, e pelas mãos daquele que é considerado um dos melhores realizadores dessa época. "Nosferatu" tinha assim à partida tudo para sincrar, tudo menos um pequeno-grande pormenor... O estúdio, Prana Film, pelo qual estava a ser produzido não conseguiu adquirir os direitos de autor para concretizar a adaptação. Felizmente isso não constituiu impedimento para Murnau, que alterou os nomes de todas as personagens e até certas partes da história, como o final (alteração que se tornaria histórica, como falarei mais à frente), para se afastar do livro em questão. Até a palavra mais importante da obra, Drácula, foi abdicada (perdendo-se a associação directa a Vlad Tepes III) e substituída por Nosferatu, uma palavra romena que se trata de um sinónimo para Vampiro usado no livro de Stoker. A sua origem é, e será provavelmente sempre, desconhecida, não se sabendo ao certo se nasceu na cultura popular romena ou na ficção.
Porém quem não iria apreciar a ousadia do realizador alemão, seria Florence Stoker, a viúva do autor do livro, que processou a Prana Film e venceu. O estúdio que até então tinha apenas produzido um filme (este), foi condenado à extinção, entrando em falência. Quanto ao filme, foi ordenado que todas as suas cópias fossem destruidas. Felizmente tal acto foi impossível de concretizar, pois este já tinha sido distribuido ao longo do globo, e cópias iam sendo salvas. De qualquer das maneiras não deixo de sentir que é um previlégio assisti-lo nos dias de hoje. Tivessem as coisas tido outro desenvolvimento e "Nosferatu" poderia ter desaparecido por completo da face da Terra.
O filme tem inicio, na cidade alemã ficticia, Wisborg, ao invés da enevoada Londres de Stoker. Thomas Hutter (representando o Jonathan Harker do livro) é enviado pelo seu (alucinado) patrão para a Transvilvânia, a fim de tratar de negócios com o Conde Orlok (Dracula).
A viagem até ao castelo decorre bem, Hutter faz uma pausa numa estalagem e passa uma noite festiva com os conterrãneos, onde o ambiente de animosidade só é alterado quando este revela o seu destino. É visível que a mera lembrança do conde Orlok instila um medo profundo a todos.
Nessa noite Hutter descobre no quarto, o livro dos vampiros, livro que é usado por Murnau para nos introduzir e explicar a mitologia do vampiro.
Quando Hutter chega ao castelo do conde, somos finalmente apresentados a Orlok. a imagem deste nosferatu, protagonizada por Max Shreck é absolutamente mítica. O actor, segundo o realizador era perfeito para o papel, derivado à sua natural fealdade, necessitando apenas de uns dentes e orelhas falsos. Pormenores à parte, Orlok tem uma imagem hipnotizante e aterradora. Nem a sua silhueta foi esquecida, que é usada no filme de forma avassaladora.
Concluindo, este é um daqueles clássicos imperdíveis, um filme intemporal sobre uma história intemporal.
Agora vou debruçar-me um pouco na mitologia do vampiro e na importância que este filme teve nela. Para quem não conhece o final aviso que contém SPOILERS.
Existem lendas sobre certas criaturas que se assemelham ao conceito de vampiro desde há milhares de anos, surgidas na antiga Mesopotâmia, Grécia, etc.. No entanto o Vampiro per se surge no início do séc. XVIII no sudeste europeu, a própria palavra vampiro é recente. O desconhecimento de certos fenómenos de decomposição tais como o facto de alguns cadáveres apresentarem sangue na boca e no estômago apenas fomentou e direccionou esta crença, reforçando a ideia de que não-mortos se levantavam de noite para beber o sangue dos vivos.
Os vampiros sempre estiveram mais ligados à noite, são criaturas das trevas e é mais fácil passarem despercebidos e alimentarem-se durante essa altura. Porém o vampiro, na sua origem, não é descrito como vulnerável à luz do dia.
Desde a criaçao desses mitos, que variam de local para local, vai um longo caminho até hoje. Através da ficção estas criaturas foram sendo moldadas e esterótipos foram-se reforçando. Um deles é o facto de os vampiros serem sensuais e com um aspecto de cavalheiros, muito diferente das primeiras imagens destes imortais.
O vampiro começou a surgir na ficção em poemas e depois em prosa, primeiro com "The Vampyre" de John William Polidori e passado pouco tempo depois com o romance que ainda hoje é a maior referência do género, "Dracula" de Bram Stoker.
Em nenhum destes livros os vampiros morrem ao sol. É certo que Drácula está num transe durante o dia, mas não é morto pela luz solar como é visível no livro.
Isto tudo para chegar à conclusão que foi Murnau o grande responsável pela introdução desta ideia. Nunca antes deste filme tal pensamento tinha sido introduzido. Uma ideia que influenciou os contos de vampiros até hoje, pois a luz solar é uma das marcas mais fortes do estereótipo do vampiro actual.
Claro que tudo o resto já foi mudado e continua a ser, mantendo-se a necessidade por sangue o maior elo entre a maioria das representações, ainda assim é sempre interessante quando descobrimos onde determinado mito nasceu e daí o meu entusiasmo com este texto.
É de salientar que em 1985 David Dolphin estabeleceu uma relação entre a doença porfíria e os vampiros. Nomeadamente em relação à vulnerabilidade a raios ultravioleta. Desde então que a porfíria tem tido algum destaque na mitologia. O filme de Murnau é de 1922, ou seja, percursor desta ideia. Claro que a associação não se prende apenas com este factor, uma vez que, doentes de porfíria sofrem de problemas na síntese de hemo, um dos constituintes da hemoglobina. Por isso um vampiro poderia necessitar de beber sangue derivado da sua carência de hemo, fruto desta doença [1].
A fim de terminar deixo outra pequena curiosidade. O morcego vampiro é originário do continente americano e só foi descoberto na Europa posteriormente à criação destes mitos. Hoje o morcego é o animal de eleição quando falamos de vampiros, mas não o era no inicio. No entanto as óbvias semelhanças entre um e outro não deixam de ser curiosas, tanto que rapidamente se associaram os dois.

5 comentários:

Miss Murder disse...

Isto foi uma óptima coisa para eu ler antes de ir dormir. MESMO!

Snow disse...

É extremamente interessante verificar a evolução do conceito de vampirismo. Mas ainda melhor é descobrir de onde é que veio a ideia de que a luz do sol seria capaz de destruir vampiros. O Murnau acabou de ganhar (ainda)mais cool points ;)

Loot disse...

Miss Murder: Com esse nick acredita que não duvido :)

Snow: Ainda assim dá que pensar nas piadas que já ouvi sobre o "vampiro a sério" não andar durante o dia :P

A Bola Indígena disse...

Belo texto este e grande filme, o meu favorito do expressionismo alemão. E sim, este Nosferatu era "o" medo ;)

Cumps

Loot disse...

Obrigado :D

Acho que até agora só vi dois desse movimento. Este e o Metrópolis. Tenho mais na lista para continuar :)

Abraço