sexta-feira, dezembro 07, 2012

Portugal


Este ano de 2012 tem sido prolífico para a BD em Portugal. Prova disso foram as edições de, não um, mas dois livros de Cyril Pedrosa: “Três Sombras”, editado pela Polvo e este “Portugal”, pela ASA. Ambos os livros foram lançados durante (ou próximos) do Festival da Amadora, aproveitando, muito bem, a presença do autor em solo nacional.

Ao analisar tanto o título do livro como o apelido do autor, chega-se rapidamente à conclusão que devemos estar perante um luso-descendente. E assim o é. Os avós de Pedrosa fazem parte da geração de emigrantes portugueses dos anos 30 que se deslocaram em abundância para França. Na capa surge-nos um belíssimo retrato do bairro alto, onde uma horta e roupas estendidas nas varandas dificilmente deixam margem para dúvidas. Estamos em Portugal, estamos em casa.

Mesmo que “Portugal” não o seja na sua totalidade, tem claros elementos autobiográficos. Trata-se assim de uma história onde a realidade e a ficção se misturam, nunca nos revelando onde termina uma e começa a outra. O livro encontra-se dividido em três capítulos, que se estendem ao longo de três gerações: segundo o filho (Simon), segundo o pai (Jean) e, por fim, segundo o avô (Abel). Apesar da ênfase dada em cada capítulo a cada uma das personagens que lhe dá nome, a história desenrola-se em torno do filho, o protagonista.

No primeiro capítulo é-nos apresentado Simon, um autor francês de BD, mas neto de emigrantes portugueses. Curiosamente, estamos perante dois aspectos intrínsecos da sua vida, mas que, de momento, se encontram ambos tão distantes do mesmo. Neste momento, Simon encontra-se um pouco “perdido” na sua vida, algo distante tanto a nível amoroso como profissional. O seu relacionamento com Claire parece seguir num determinado caminho, enquanto ele se mantém imóvel no mesmo local. Em relação à BD existe também um afastamento, mais consciente, da sua parte. Um afastamento amargurado, que espelha um certo descontentamento e até vazio com este processo de criação.


No que toca às suas raízes, Portugal é uma terra à qual não regressa desde criança e que por consequência foi caindo no esquecimento. Fruto, também, de uma família que se foi dispersando com o tempo e de um pai que pouco ou nada partilhou sobre as suas origens.

Contudo, já lá dizia o ditado, se” Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”. E tudo está prestes a mudar na vida de Simon, graças a um convite para um festival de BD em Portugal – numa clara alusão ao Salão Internacional “Sobreda-BD” organizado pelo GBS (Grupo Bedéfilo Sobredense) à qual o autor atendeu em 2006. Esta curta passagem por terras lusas teve um efeito de grande comunhão entre o autor e o país, tornando um eventual regresso em algo indispensável.

Quando Simon regressa a França decide ir, juntamente com o seu pai, Jean, até Borgonha para o casamento de uma prima. Uma escolha que, possivelmente, se tornou mais apelativa após a sua passagem por Portugal. Neste segundo capítulo, Simon volta a estar em maior contacto com o seu pai e respectivos tios. É um daqueles grandes momentos familiares que, por ser tão esporádico, acaba por ter sempre uma intensidade imensa. Tanto a viagem a Portugal como este reencontro familiar levam Simon a partir numa viagem de regresso ao nosso país – desta vez à terra do seu avô Abel – Marinha da Costa -, em busca da sua história, das suas raízes e, acima de tudo, da sua própria identidade.

A nível gráfico, “Portugal” é uma verdadeira ode ao desenho. Os esboços de Pedrosa dão uma vida singular e sonhadora a este maravilhoso conto, cuja aura tão pessoal e genuína o tornam singular. O autor desenhou e pintou de forma distinta cada capítulo, a fim de dotá-los de um tom muito particular.


Para o primeiro e terceiro capítulo, o autor pintou as pranchas a aguarela. No primeiro utilizando maioritariamente uma só cor, mais aguada e privilegiando um tom escuro a fim de evocar uma certa melancolia que está inerente à história. Já nas cenas passadas em Portugal as cores são mais variadas e quentes, que resultam num desabrochar da história e de Simon também.

No capítulo segundo o seu pai, e ao contrário dos outros dois, o traço do autor é claramente mais forte, a evocar um traço mais sério. É o capítulo mais distinto em termos gráficos, nem que seja pelo facto de a própria coloração não ser em aguarela como nos restantes.

É, sem qualquer dúvida, um dos melhores livros de BD editados este ano e, a sua aquisição, torna-se obrigatória para qualquer apaixonado desta arte.



Publicado originalmente no site da Rua de Baixo

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