quarta-feira, dezembro 26, 2012

Cloud Atlas


Um projecto muito ambicioso esta adaptação do livro de David Mitchell, que segundo o autor se tratava de uma obra infilmável. Não é a primeira afirmação do género, não será a última.

É um filme que tal como a sua história tenta ser maior do que a vida, segundo a qual todos estamos ligados ao longo do espaço e do tempo, porque as nossas acções terão repercussões no futuro, sendo também elas repercussões do passado.


A início quando nos mostram segmentos de múltiplas histórias, Timothy Cavendish (Jim Broadbent) - personagem de uma delas - garante-nos que existe um "método em toda esta loucura". De facto ele tem razão, aquilo que prometia ser uma viagem atribulada, rapidamente se percebe que está muito bem orquestrada, conseguindo com que todas as narrativas fluam umas entre as outras, com uma leveza e simplicidade magistral. É um trabalho, a nível de edição, nada menos que excepcional.

Excelente trabalho, também, do elenco que se desdobra em inúmeras personagens, todas elas ligadas entre si. As várias histórias narradas decorrem todas em diferentes locais e tempos, mas há medida que avançamos nelas, é cada vez mais notório os múltiplos "fios" que as ligam. Poderá uma amizade entre um advogado e um escravo em meados do século XIX ter tido consequências revolucionárias, não apenas na sua época, mas num futuro muito distante e ditatorial? Poderá um monstro tornar-se um herói? ou estará condenado à sua condição? O amor eterno existe quebrando as barreiras do tempo e espaço? Estas são algumas das questões que podemos colocar ao filme e que ele prontamente nos responde, pois "Cloud Atlas" é uma história onde a morte é abordada como apenas uma porta que se fecha, para logo em seguida, outra se abrir.

Aparte isto, as próprias histórias são de géneros diferentes, misturando num filme, comédia, conspiração, ficção cientifica e drama histórico, entre outras. Tudo numa grande panela cinematográfica que resulta num prato especial e inesquecível.

O trabalho de caracterização, ponto essencial nesta abordagem, é notável, ainda que por vezes seja como a coca-cola (primeiro estranha-se...). Em relação a esta última parte, falo obviamente nas alterações étnicas das personagens, sem dúvida a parte da caracterização mais complicada, mas que fez todo o sentido nesta narrativa e que por isso mais do que se aceita.

Neste filme temos duas equipas de realização encabeçadas de um lado por Tom Tykwer (Lola Rennt) e do outro pelos irmãos Wachowski (Matrix), onde cada equipa ficou responsável pela realização de determinadas histórias, e cuja separação nunca distingui ao longo do filme.

Goste-se ou não, é claro ao longo do filme que estamos perante um trabalho fruto de uma enorme paixão pela obra de Mitchell. Paixão essa incrivelmente contagiante se estivermos dispostos a deixarmos-nos levar por ela.

3 comentários:

rui alex disse...

gostei muito, mas não posso dizer que adorei.
pessoalmente, não encontrei muitas ligações entre os eventos de diferentes épocas. por exemplo, o músico escreveu uma música que anos mais tarde uma jornalista tem uma espécie de já ter ouvido em qualquer lado... Ou mesmo o teu exemplo da porta, os cortes entre as diversas cenas são feitas com recursos estilisticos desse género. Não mais que isto. Excepto uma personagem de uma época tornar-se deusa numa futura época, isso já é evidente (gostei disso, pensei que a cena com o "indigena" era no passado e afinal é o mais futuro de todos).

Mas é admirável a caracterização das personagens e os cenários envolventes, sim. O Hanks como escritor canastrão está soberbo. Acho que o filme ganha por ser uma espécie de contos (não li o livro). Há cenas tão lindas que faz pensar o maravilhoso que seria se fosse com a extensão do filme (mas nao sei se nao se cansava), e há outras cenas não tao bonitas que faz pensar que ainda bem que foram poucas cenas assim em vez de com a extensão do filme.

Loot disse...

Olá Rui

SPOILERS

A música tem o nome da obra por alguma razão, é uma das provas dessas linhas que unem as histórias. Repara que é a mesma usada no café da Sonmi (no futuro). Mais importante o maestro mais velho anos antes sonhou não só com o café como com a própria melodia que estava a ser composta naquele instante pelo seu inquilino.

Então e o casal de revolucionários? A sonmi e o seu namorado, são o mesmo casal do sec. 19 no tempo de escravatura, o mesmo casal que decide ir abolir esta lei (da escravatura) após o encontro entre ele e o escravo que salva (e lhe salvaria a vida tb). O amor a prevalecer após anos e anos.


O Hugo Weaving é sempre uma besta por exemplo, a sua personagem mantém-se detestável em todas as vidas. Há aqui uma noção forte de Karma, personagens que mudam ao longo dos tempos e outros não tanto. Actos que numa altura (o da amizade entre o advogado e o escravo) poderão ter repercursões no futuro não só deles (abolir a escravatura) como também numa outra vida (revolução no futuro, tempo da Somni).

E claro a divinização da somni como bem disseste. Acho que cada espectador fará a sua leitura, mas que há ligações entre as histórias, sem dúvida.

Loot disse...

E certamente não apanhei todos este pormenores deliciosos que unem as histórias :)

Mas acho que uma das mensagens é essa, que um acto bom ou mão terá repercussões no futuro (através do espaço e tempo).

Acho que é um filme com muito trabalho em cima, há aqui muita dedicação e tinha de salientar isso.